Fábrica da Heineken corre risco de ser fechada em Alagoinhas

A fábrica da cervejaria holandesa Heineken, em Alagoinhas (108 km de Salvador), corre sério risco de paralisar as atividades, devido a uma decisão judicial irrecorrível do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e que está em fase de cumprimento de sentença.

O problema, contudo, não é com cervejaria em si: vem de um processo judicial iniciado em 1997, quando o empresário Maurício Brito Marcelino da Silva acionou na Justiça Federal o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).

Na época, Silva, hoje com 61 anos, teve negado pelo DNPM o pedido de autorização de pesquisa para prospecção de fosfato numa área equivalente a 2 mil campos de futebol, onde hoje está uma das cinco fábricas da Heineken no Nordeste, das 15 que a empresa tem no país.

Depois de reconhecido o direito pela Justiça Federal em 1999, o processo tramitou nos tribunais superiores com decisões favoráveis ao empresário, até o STJ decidir em 2 de outubro de 2014, por meio do ministro Napoleão Nunes Maia Filho, a procedência do pedido.

A decisão da Justiça Federal de 1999 e mantida pelo STJ determina a anulação dos atos do DNPM que resultaram no indeferimento do pedido, feito com base num suposto interesse público, endossado por um ofício da Prefeitura de Alagoinhas.

O acórdão do STJ transitou em julgado em 9 de março de 2015 e em 15 de junho de 2018, após ação do advogado Alysson Mourão, que defende o empresário Maurício Silva, a Justiça Federal determinou o cumprimento da sentença.

Na decisão, a juíza federal Luciana Raquel Tolentino de Moura, substituta da 7ª Vara Federal do Distrito Federal, mandou intimar o DNPM para, em 30 dias, “cumprir a obrigação de fazer estabelecida no acórdão transitado em julgado”.

Foi determinada multa diária de R$ 10 mil em caso de descumprimento, mas isso não ocorreu ainda porque o DNPM, por meio da Advocacia Geral da União (AGU), entrou com pedido de impugnação ao cumprimento da sentença em 30 de julho de 2018.

A defesa do empresário, por meio de um ofício, realizou nesta terça-feira (21) novo pedido do cumprimento de sentença, mas desta vez exigindo que seja aplicada multa diária de R$ 50 mil em caso de descumprimento. Não houve mais decisões até então.

Discussão antiga

A continuidade da produção de cerveja, refrigerantes sucos e água mineral por parte da Heineken em Alagoinhas depende de discussão sobre se a área da empresa está ou não dentro da área que o empresário teve o direito reconhecido para pesquisar fosfato.

No processo, o local onde atua a Heineken é chamado de “área do poço artesiano”, em referência a um poço desse tipo que o governo da Bahia perfurou em 1997 como parte das ações para que o Grupo Schincariol se instalasse no local.

É nessa mesma área que o empresário Maurício Brito Marcelino da Silva diz que realizou pesquisas entre o final do ano de 1995 até 1997, e que gastou cerca de R$ 300 mil com estudos preliminares, até dar entrada no pedido junto ao DNPM.

O pedido de autorização para pesquisar fosfato é uma praxe na mineração para quem deseja realizar outros tipos de pesquisa mineral, já que ela garante uma maior extensão de área a ser averiguada.

Pelo Código de Mineração, tem direito a realizar pesquisas minerais quem realiza primeiro o pedido, desde que a área esteja livre, a exemplo do caso do requerimento formulado pelo empresário, feito em 1996.

A despeito do direito a quem faz primeiro o pedido, a negativa por parte do DNPM de autorizar a pesquisa de fosfato na área teve como embasamento a chegada da Schincariol à cidade, o que foi possível após articulação dos governos federal, estadual e municipal.

Foi a própria Prefeitura de Alagoinhas que, sabendo do requerimento do empresário para pesquisa mineral na área, encaminhou ofício com justificativas de “interesse público” para que a solicitação fosse negada.

Num ofício ao DNPM, a prefeitura declarou que o empreendimento Schincariol, beneficiado por incentivos fiscais federais, estaduais e municipais, teve investimento de US$ 160 milhões.

Destacou que teria produção de 300 milhões de litros de cerveja/ano e 100 milhões de litros/ano de refrigerante, geração de 600 empregos diretos na primeira fase e 5.000 indiretos, e ainda a instalação de 150 novos postos de revenda de bebidas no estado.

Afirmou ainda que “o requerimento de autorização para pesquisa de fosfato não conta com a indispensável anuência da municipalidade, além do que prejudicará e comprometerá a plena execução e implantação da Schincariol”.

Além disso, a prefeitura argumentou que parte da área do requerimento da pesquisa englobava uma zona de expansão urbana de Alagoinhas que já tinha sido aprovada por meio de decreto municipal em 1995.

O parecer da procuradoria do DNPM sugeriu, então, à diretoria da época, o indeferimento do requerimento do empresário “em respeito à prevalência do interesse coletivo sobre o particular”. Indeferido o pedido, foi instalada a Schincariol na área.

Durante a fase processual, o empresário Maurício Silva concordou em aceitar a redução da área a ser pesquisada para pouco mais de 1.400 hectares, com a retirada da zona de expansão urbana de Alagoinhas – esta é a área que ele terá hoje para explorar, em caso de ocorrer o cumprimento da sentença.

Enquanto a defesa de Maurício Silva defende que ficou claro para o STJ que a área para pesquisa de fosfato engloba a da cervejaria, a AGU entende que o tribunal deixou de fora a área na decisão transitada em julgado, a qual, diz a AGU, “já foi definitivamente cumprida”.

No decorrer do processo, não se afirma nem se nega que a área do poço artesiano está dentro da que o empresário requereu para pesquisa, define-se apenas que esta área do poço fica de fora da zona de expansão urbana de Alagoinhas, conforme escreveu o ministro Napoleão Nunes Maia Filho, na decisão de 2 de outubro de 2014.

Redução de empregos

A Heineken, em Alagoinhas, apesar de gerar cinco vezes menos empregos que a Schincariol – são cerca de mil funcionários na cervejaria holandesa – tem ainda o poder de mobilizar políticos locais e estaduais em favor do empreendimento.

A possibilidade de paralisação das atividades tem mobilizado a prefeitura do município e a Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE) em buscar soluções e sensibilizar o judiciário, mas declarações públicas sobre o assunto estão sendo evitadas.

A Heineken demonstra estar tranquila com relação ao assunto, ao declarar em nota que “entende que a referida decisão em nada afetará a continuidade de suas atividades em Alagoinhas”.

Na área em disputa entre o DNPM e o empresário, a Heineken possui três poços, através dos quais faz captações do Aquífero São Sebastião para produção de bebidas alcoólicas e não alcoólicas, e outro fora da área em disputa.

Segundo o DNPM e o Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Inema), as licenças ambientais para exploração mineral no local estão em dia. A empresa informou que tem autorizações para exploração da sua atividade fabril e comercialização de seus produtos.

A Heineken passou a atuar em Alagoinhas em fevereiro de 2017, após a compra por US$ 1,09 bilhão da Brasil Kirin (japonesa), que por sua vez tinha adquirido a Schincariol em 2011 por R$ 3,95 bilhões.

A Heineken é a segunda maior fabricante de cervejas do país, perde apenas para a Ambev. No final do ano passado, as duas cervejarias deixaram a Associação Brasileira da Indústria da Cerveja (CervBrasil), entidade nacional que representa o setor.

“As principais divergências são a diferença de interesse marcada, sobretudo, entre grupos nacionais e internacionais presentes no mercado”, informou a CervBrasil, que “pretende cumprir esta representatividade nacional tendo o Grupo Petrópolis e novas empresas associadas, incluindo cervejarias de menor porte”.

O empresário Maurício Silva está confiante na definição mais breve do processo. “Acredito muito na Justiça, tenho fôlego para brigar, sempre quis brigar”, declarou. “Sofri muita pressão política, fui assediado várias vezes, só não sofri ameaças”.

Desde que ocorreu o problema, Silva não atuou mais com mineração. Vive hoje como empresário do ramo da construção civil em Salvador e tem fazenda em Jacobina, onde negocia gado. Mas, caso receba a área de volta, quer voltar à mineração, com a produção de água mineral.

Hoje, na área que ele reivindica, além da Heineken, há terceiros que exploram a retirada de areia, cascalho e argila: “Estando com a área, posso arrendar para um terceiro explorar. O que quero é o meu direito que foi negado sem razão”.

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